De
Pernas Pró Ar. Foi o que atraiu a jurista ao Parque
Mayer.
No Teatro Maria Vitória, estava em cena uma popular
revista com aquele título, em que o cabeça-de-cartaz era a pessoa procurada
pela mulher de leis.
Finda a atuação, junto à porta de saída dos artistas,
surgiu finalmente António Calvário.
Ali estava a oportunidade de a jovem licenciada em
Direito agradecer a alguém que não conhecia pessoalmente, mas a quem muito devia.
CHUVA
O vocalista nascido em Moçambique foi o primeiro
representante português no Festival Eurovisão da Canção. Na Dinamarca, entoou “Oração”, a melodia que tinha vencido o
Grande Prémio TV.
Nunca mais deixou o mundo do palco, do cinema e da
televisão. Há dez anos, participou até num reality
show, o Circo das Celebridades.
Houve uma época em que ele atuava na boîte Rossini, acompanhado ao piano por
Jorge Sá Machado.
Certa vez, dois dias antes do Natal, sob copiosa chuva,
um homem aguardava António Calvário e abordou-o quando ele se preparava para
entrar no espaço batizado com o nome do compositor de o Barbeiro de Sevilha.
Reteve-o com uma história que poderia corresponder à realidade.
Era um indivíduo ainda novo, com boa aparência, mas que
se queixava de desemprego. Perdera o posto de trabalho numa instituição
bancária. Chegadas as Festas, não tinha dinheiro sequer para oferecer um
presente à filha.
O cantor hesitou, mas lembrou-se que tinha o
frigorífico bem cheio em casa. O automóvel acabado de estacionar carregava
gasolina em fartura.
E assim, numa era anterior ao multibanco e à
disseminação de cartões de crédito, entregou-lhe todas as notas que trazia no
casaco. O montante equivalia ao que ele auferia numa semana de trabalho no
espaço de diversão noturna.
Talvez aquele dinheiro trouxesse esperança e
alegria a uma família em necessidades, particularmente sentidas pela criança de
quem o Pai Natal se iria esquecer. Assim fosse autêntico o que o beneficiário
do donativo relatara.
PAZ
Era mesmo verdade.
Ali, no Parque Mayer, encontrava-se aquela Advogada a
atestá-lo.
Tinha assistido à tal peça, de pernas para baixo,
comodamente sentada numa cadeira do Teatro Maria Vitória. Tratava-se de um
espetáculo encenado por Carlos Areia e João Baião, reunindo os melhores quadros
de revistas anteriormente levadas ao palco.
Duas décadas antes, ela era uma criança. Aquela menina
cujo Pai involuntariamente deixara de trabalhar e, em desespero, recorrera a um
famoso artista, que tinha tanto de talento como de generosidade.
O progenitor veio a relatar à descendente como tinha enfrentado
aquele Natal que se antevia complicado perante as dificuldades económicas. Recordava
sempre o nome de quem tivera o desinteressado gesto que fez a diferença.
Chegava o agradecimento apresentado pessoalmente pela
distinguida com a dádiva.
Na sua autobiografia, António Calvário da Paz revela
que nunca mais esqueceu o semblante dos dois rostos. A aflição do Pai e, anos
depois, o reconhecimento da Filha.