domingo

2624 ANOS DE PRISÃO



No total, proferi 328 sentenças condenatórias de prisão efetiva.
Foram raros os casos em que apliquei a pena máxima de 25 anos de cárcere.
Assim como houve poucos casos em que mandei alguém para a cadeia por um curto período, até porque a lei dá preferência à pena suspensa quando estão em causa menos de cinco anos de privação da liberdade.
Nesta contabilidade, as minhas sanções oscilam geralmente entre 8 a 20 anos de penitência.
De maneira que, globalmente, sou responsável por 2624 anos de cadeia cumpridos por mais de três centenas de criminosos.




MISTÉRIO

Em todo o caso, para mim, o meio prisional continua a ser um mundo pleno de mistérios.
Não há ninguém que tenha uma visão global sobre o que se passa nas cadeias. Apenas conseguimos ter uma perceção parcelar, fragmentária.
O diretor da prisão está longe de imaginar o que se passa clandestinamente: planos de fuga, comercialização de droga, negócios com telemóveis, corrupção, práticas sexuais, roubos, brutais espancamentos…
Os próprios reclusos, confinados a espaços muito limitados, ignoram o funcionamento do sistema que os mantém propositadamente desinformados por razões de segurança.
Os guardas prisionais são naturalmente encarados com desconfiança e não há quem deseje transmitir-lhes conhecimento.
Os poucos juízes que visitam estabelecimentos prisionais são confrontados com uma receção gentilmente preparada, que não dá nenhuma noção do que ocorre no dia-a-dia.




FONTES

Os advogados são muitas vezes confidentes, mas as novidades que colhem correspondem quase sempre ao que os historiadores qualificam como fontes secundárias.
Os jornalistas dispõem de importantes elementos, embora lhes sejam facultados por quem tem especiais interesses em divulgar dados: políticos, sindicalistas, defensores de presos…
Aos académicos é-lhes franqueado o contacto com o terreno e possibilitado um estudo aprofundado da realidade. Porém, está-lhes sempre vedado penetrar nos pensamentos que brotam na mente de quem desrespeita a vida em sociedade, comete um crime e se vê colocado entre as paredes que lhe retiram a liberdade.
Talvez a pessoa que tenha acesso mais direto ao que efetivamente sucede no espaço penitenciário seja a provedora de justiça.
Entre as várias missões de que Maria Lúcia Amaral está incumbida, cabe-lhe a de prestar contas às Nações Unidas do seu papel no âmbito do mecanismo nacional de prevenção. Na sua atividade inspetiva, a jurista surge nos vários estabelecimentos prisionais, sem anúncio prévio. Percorre a área sem quaisquer restrições, dialogando com quem bem entende, e solicita os esclarecimentos que entende pertinentes.