Há umas décadas, conversei longamente com um estivador reformado, da era em que ainda não se utilizavam os contentores que vieram simplificar muitíssimo as cargas marítimas.
A vida profissional dele iniciou-se quando ainda
era uma criança, não muito longe do porto lisboeta.
Tinha onze anos e a sua pequena estatura
era mesmo apropriada para as funções que lhe destinaram no Chiado, na velha
livraria Sá da Costa.
A missão a cumprir era a de ser uma câmara
de vídeo-vigilância humana, fiscalizando quem dissimulava artigos expostos, sem
a intenção de os pagar.
O estabelecimento ainda existe, sob outro
nome, dedicando-se agora o seu novo proprietário à atividade de alfarrabista.
À época em que aquele menino foi
contratado, era uma das várias lojas que apresentavam em primeira mão as
novidades literárias aos que frequentavam a Rua Garrett.
ALARME
Os shoplifters já existiam, mas ainda não
havia circuitos fechados de televisão.
De modo que o rapaz estava de olhos bem
atentos, observando do alto as pessoas que contavam com a distração dos caixeiros,
posicionados junto aos balcões. Quando um ocultava discretamente um livro, o
pequeno empregado já não o largava de vista até ao instante em que o falso
cliente se dirigia à porta de saída.
Então chegava o momento de ele acionar o
sinal de alarme, pequena sineta cujo badalo era agitado por um cordel. Agarrado
por dois homens possantes, o gatuno, frequentemente jovem estudante, era
encaminhado para uma sala onde aguardava a chegada do cívico policial, não sem
antes ser cruelmente maltratado com uns valentes bofetões.