Eu não fui aluno de Diogo Freitas do Amaral.
Em 1986, quando me coube aprender Direito Administrativo na faculdade, o grande mestre tinha-se afastado da vida académica. Acabara de sair da campanha das eleições presidenciais. Recebeu 48% dos votos, embora a vitória coubesse a Mário Soares.
De modo que Marcelo Rebelo de Sousa foi o
meu professor da cadeira, que muitos designavam por cadeirão, dado exigir
imenso estudo.
O lente avisou-nos que era indispensável
lermos os 4 volumes do manual escrito por Freitas.
De modo que aprendi muito com Freitas do
Amaral, embora não contactasse diretamente com ele.
Simultaneamente, eu gozava do imenso
privilégio de participar das animadíssimas lições dinamizadas pelo “enfant terrible”, que todos sabíamos que
um dia viria a liderar os destinos de Portugal.
Feitas as contas, até foi um privilégio
absorver os ensinamentos de ambos os sábios.
NOVO SÉCULO
Já no século XXI, pedi a ambos, Marcelo e
Freitas, que colaborassem numa obra destinada a futuros juristas.
Solicitei-lhes que deixassem alguns
conselhos a quem desejava seguir uma carreira académica.
Deste modo, Freitas do Amaral facultou
preciosas recomendações no livro “Sucesso
nas Carreiras Jurídicas”.
Em homenagem ao excecional docente, agora
desaparecido, aqui ficam as suas palavras.
Os
factores que determinam uma boa preparação para ingressar na carreira docente
são, no plano científico, uma boa preparação cultural, intelectual e académica;
e, no plano pedagógico, bons dotes de exposição oral e forte capacidade de
comunicação com os alunos. O exemplo de “grandes mestres”, recebido enquanto aluno, quando exista, é
decisivo. Eu, por exemplo, nunca esquecerei quanto devo, a esse respeito, aos
Professores Paulo Cunha e Marcello Caetano – dois verdadeiros gigantes no
professorado português do século XX.
Iniciei
a minha carreira docente na Faculdade de Direito de Lisboa, em 13 de Março de
1965. Não deparei com dificuldades especiais na cadeira de Direito
Administrativo, que era a da minha especialidade.
O
pior foi quando, em 1967 – a quatro meses do meu doutoramento! – fui
encarregado, com a antecedência de apenas uma semana, de prestar serviço de
aulas práticas de Direito Processual Civil II, do 5º ano (acção executiva e
recursos). Esta disciplina, não só não era da minha especialidade, como
pertencia a um grupo de disciplinas que não era o meu (eu era de Direito
Público). Aí, sim, tive dificuldades. Sobretudo, custou-me muito – a mim, que
há anos formulava hipóteses de Direito Administrativo – imaginar hipóteses de
Processo Civil. Perdi horas a fio a preparar cada aula.
Ainda
hoje considero que essa distribuição de serviço que me foi feita pelo Conselho
Escolar foi uma verdadeira prepotência!
O
perfil ideal para ser um bom docente comporta, pelo menos, duas facetas –
elevadas qualidades científicas e grandes qualidades pedagógicas. Para
comunicar bem com os alunos, em forma de diálogo, não apenas transmitindo
conhecimentos mas também levando os alunos a descobrir por si as respostas
certas, a colocar as dúvidas pertinentes, e a debater (entre eles e com o
professor) os temas mais controversos. É preciso, em suma, praticar uma “pedagogia
activa”. Quem não souber o que é, deve
remontas às origens e ler com atenção o “Ménon”, de Platão.
No
que toca aos exames orais, um bom docente deve ser afável no trato, rigoroso no
grau de exigência posto na prova, e justo na nota dada. Como dizia um dos meus
professores, “eu só cuido de saber o que os meus alunos
sabem, eles encarregam-se de me revelar o que não sabem”.
Tradicionalmente,
nas nossas Universidades, não havia qualquer preparação específica para a
docência. Presumia-se que os melhores alunos, só por terem uma média alta,
dariam uns bons professores.
Hoje
não se pensa assim, em numerosas áreas científicas, onde há cursos de formação
para docentes, que partem do princípio oposto ao tradicional: ninguém nasce
ensinado!
Contudo,
nas Faculdades de Direito, ainda predomina o método antigo.
A
única excepção (tanto quanto sei) é a da Faculdade de Direito da Universidade
Nova de Lisboa, em cujo programa de doutoramento tem existido uma cadeira de “Ensino
do Direito”, cuja regência me tem sido
atribuída. Mas é pouco. Será preciso ir ainda mais além. De facto, ninguém
nasce ensinado – e não há anda pior, numa escola, do quem um professor maçador,
monocórdico e desinteressante. Se as suas aulas são facultativas, ficam
desertas; se são obrigatórias, os alunos jogam entre si a batalha naval! Que
perda de tempo…
Diogo
Freitas do Amaral
(in
Helder Fráguas, Sucesso nas Carreiras Jurídicas, Lisboa, 2004, Roma Editora)