Já aqui contei como uma famosa cantora
efetuou um donativo de três mil euros à Cruz Vermelha Portuguesa para se
redimir de uma pequena infração.
Nessa ocasião, foi com todo o gosto que eu escolhi aquela
entidade como beneficiária.
Trata-se de um organismo internacional de proteção
a todos os que sofrem. Foi altruisticamente fundado em tempos de guerra para
acudir a quem padece por força dela. Nutro profunda admiração por esse grémio
mundial onde colhi os primeiros ensinamentos de suporte básico de vida, então
designados por primeiros socorros.
Portanto, entristece-me ver que, em
Portugal, não está a ser completamente eficaz o combate à utilização indevida
de veículos pertencentes à Cruz Vermelha.
As tentações são proporcionais à quantidade
imensa de viaturas detidas pela agremiação.
GASÓLEO A METADE DO PREÇO
Aqui há uns anos, um cliente meu
procurou-me.
Fora constituído arguido e seria levado a
julgamento na sequência de um desvio gigantesco à Cruz Vermelha Portuguesa.
O sujeito é um dinâmico empresário, dono de
uma importante frota de camiões que percorrem milhares de quilómetros.
Pois surgiu-lhe a proposta de adquirir
gasóleo a metade do preço.
Ele não se fez rogado e adotou uma atitude
ao jeito do aforismo “don’t ask, don’t
tell”. Não mostrou nenhum interesse em conhecer a proveniência do
combustível. Apenas deixou instruções para que se comprasse o gasóleo com
aquele fabuloso desconto.
CAMIÕES EM VEZ DE AMBULÂNCIAS
Algum tempo depois, a polícia abordou o
empresário.
Cartões Galp Frota em nome da Cruz Vermelha
Portuguesa tinham sido repetidamente utilizados por indivíduos a ela alheios,
mas contando com a conivência de um funcionário.
Esses vigaristas atestavam enormes bidões
cujo conteúdo entrava depois no mercado paralelo a um preço imbatível. E foi
assim que o meu cliente conseguiu o combustível a um custo tão reduzido.
Mensalmente, a petrolífera apresentava a
conta ao organismo de solidariedade que prontamente satisfazia o pagamento, sem
que ninguém suspeitasse da malhoada. Todos supunham que aqueles milhares de
litros de gasóleo serviam ambulâncias ou outras viaturas da CVP.
Até que, na delegação de Elvas, deram pela
falta de um daqueles meios de pagamento em plástico. Perceberam o que andava a
acontecer em postos de abastecimento da capital.
Apresentada a queixa às autoridades,
seguiram-se constantes perseguições e obtenções de imagens de videovigilância.
Os investigadores compreenderam o modo de
atuação dos criminosos, permitindo ao Ministério Público que acusasse uma série
de suspeitos.
No final da audiência de julgamento no
Campus de Justiça de Lisboa, já em finais de 2013, eu consegui a absolvição do
meu constituinte.
Era impossível provar que o homem soubesse
das aquisições de combustível que serviu os seus camiões. Centenas de imagens
mostravam dezenas de pessoas, mas ele não surgia em nenhuma delas.