segunda-feira

JOÃO SOARES PRESO EM PARIS

 


Em 1994, um homem foi barbaramente assassinado na sua casa de Fafe. Tinha 44 anos, dois filhos e deixou viúva.

Como sempre sucede em casos de homicídio, a investigação criminal iniciou-se com o inquérito de proximidade.

Nesse domínio, funciona a lei dos grandes números.

Vizinhos, familiares, amigos e colegas são interrogados. Cada um deles pronuncia-se sobre quem será o criminoso.

Quase sempre, o nome mais votado corresponde ao culpado.

Depois, segue-se a recolha de provas. Atualmente, a atividade centra-se em obter junto do Ministério Público autorização para aceder aos dados telefónicos do suspeito. Fica-se a saber onde ele se encontrava no momento do crime e que comunicações foram realizadas antes e depois do acontecimento.

Neste caso de justiça de Fafe, não havia apenas maioria de opiniões.

Existia era unanimidade. Quem mandara matar o homem fora Júlia Cunha, esposa do falecido, segundo todos os que conheciam o casal.

Muitos até tinham um palpite forte: o crime fora cometido quando Hilário se encontrava de férias em Portugal. Tratava-se de um amigo de infância da viúva negra. O emigrante radicara-se em França, mas anualmente visitava a terra de origem. Logo, Júlia tinha-lhe encomendado a morte do marido. Constava que o preço acordado fora de cinco mil contos, cerca de 25 mil euros.


TELEFONEMA

Então, um inspetor dirigiu-se a uma cabine telefónica. Marcou o número da própria Polícia Judiciária.

Sem se identificar, contou tudo, explicando que não fora o velho emigrante a tirar a vida à vítima, mas sim o filho: João Soares, nascido em França e que contava 18 anos à data do homicídio.

No verão seguinte, quando pai e filho regressaram ao norte de Portugal, a polícia já tinha um motivo para interrogá-los. Aquela chamada anónima justificava a diligência.

Só que os arguidos negaram e o processo ficou arrumado nos anais dos casos por resolver, tão congelado como os cold cases dos filmes policiais.



ALEGRIA

Júlia Cunha tinha motivos para desejar a morte do cônjuge e não escondia a alegria por se ter visto livre dele.

Era uma mulher abastada, com vasto património imobiliário, em larga medida oriundo de seu pai, conhecido construtor civil fafense.

Ela casara dez anos antes com “Mandinho”. Mas queixava-se de que o marido bebia muito, tornava-se agressivo, não queria trabalhar e até se metia, por vezes, nas drogas.

Ele aceitava divorciar-se. Mas apenas mediante partilha de bens que lhe fosse favorável.

Todos sabiam o que tinha acontecido, mas não havia provas de nada.





DESAPARECIDO

Dois anos volvidos, a polícia francesa deparou-se com problema idêntico.

Armando Nogueira, português de 29 anos, residente em Paris, tinha desaparecido.

A namorada dele era prima do tal João Soares. Este tinha convidado o namorado da prima para ir com ele a um bosque, propriedade da família, a fim de cortarem lenha. Mas era tudo muito intrigante. Armando mostrara-se nervoso antes do encontro e partira armado com um revólver. Como se a arma fizesse falta para arranjar madeira…

A moça ficara sem noivo, mas não tinha dúvidas: o responsável era o primo.

No entanto, a polícia não encontrava provas.




PARQUE EM AMESTERDÃO

Os dois casos vieram a ser resolvidos pelas autoridades dos Países Baixos.

No dia 16 de abril de 1997, um cadáver foi encontrado em Amesterdão, em pleno Westerpark.

Tratava-se de um jovem, que aparentava 24 anos. Tinha sofrido um ferimento recente na cabeça e fora suturado. A linha utilizada para coser a cicatriz não correspondia a nenhum hospital neerlandês.

Além disso, o homem era portador de um bilhete de comboio de uma viagem entre Paris e a cidade onde fora encontrado morto.

Foi simples descobrir o local onde ele recebera anteriormente assistência médica na capital francesa.

Concluiu-se que a vítima se chamava José Martins Castro. Uma semana antes, fora vítima de agressão em França, país onde residia.

Rapidamente se compreendeu que ele pertencia ao círculo de amizades de Armando, o tal noivo desaparecido.



TRIO FAFENSE

Tudo se esclareceu.

O velho Hilário Soares aceitara realmente encarregar o seu próprio filho do trabalho sujo encomendado por Júlia Cunha, em Fafe.

Aos 18 anos, João Soares obedeceu ao Pai. Arranjou dois comparsas, todos adolescentes.

Os três rapazes encontraram-se com a mulher em Fafe. Ela pagou a quantia acordada e entregou-lhes a chave de casa.

O trio atacou a vítima à facada, assegurando-se que a mandante ficara realmente viúva, como era seu desejo.


ARREPENDIMENTO

Sucede que um dos criminosos era o mencionado José Martins Castro, que se arrependeu genuinamente.

Fez um exame de consciência, queria ser um homem diferente e desabafou com o seu amigo Armando Nogueira.

Este não escondeu a João Soares que sabia de tudo.

Acossado, João montou uma armadilha. Propôs a Armando o tal encontro para corte de madeira. Foi o último dia de vida do lenhador voluntário. Apesar de armado, não escapou à morte por uma traiçoeira flecha disparada sobre as suas costas. O cadáver foi reduzido a cinzas, após ser regado com gasolina.

Mesmo assim, José Martins Castro poderia sempre dar com a língua nos dentes.

Terminou os seus dias assassinado naquele parque dos Países Baixos, dando à polícia local a oportunidade de desvendar dois crimes anteriormente cometidos, um em Portugal e o outro em França.

João cumpriu pena em Fresnes, nos arredores de Paris.

Júlia Cunha acabou por ser presa em Fafe, sua cidade natal.

No domínio nacional, o maior conhecedor da situação é o jornalista António Ferreira Leite, que procedeu a uma aturada cobertura do caso.