terça-feira

ATÉ AO FIM DOS SEUS DIAS

 


Eu sou contra a pena de morte.

Discordo da prisão perpétua.

Acredito numa segunda oportunidade. Creio que se deve apostar na reinserção social. Importa dar ao delinquente ferramentas para regressar ao bom caminho.

Mas compreendo os que, sendo contrários à pena capital, perfilham opinião diversa. Dizem que o Estado não tem o direito de tirar a vida a ninguém. Mas consideram que há indivíduos irrecuperáveis, um perigo para a sociedade, sendo indispensável mantê-los encarcerados para o resto da sua vida.



A ÚLTIMA VEZ

Há um dramático caso que abona nesse sentido.

Tudo se passa em Marselha, França.

São quatro as personagens principais. Pierre e os seus dois filhos: Maria, de 8 anos e Jean-Baptiste, com 6. Depois, surge um estranho, Christian, de 20 anos, que se aproxima das duas crianças, enquanto elas brincam sozinhas na rua, perto de casa.

Corria o ano de 1974.

Foi fácil iludir os dois pequenos irmãos. Christian disse-lhes estar à procura do seu cão preto, que andava fugido. Pediu ao menino que partisse em busca do animal, na direção das traseiras do prédio. Mal o garoto virou costas, o homem pegou na pequena Maria. Matou-a algumas horas depois, abandonando o cadáver a quilómetros de distância.

Dois anos depois, após o julgamento e um recurso para o tribunal superior, o criminoso foi executado em Baumettes, a cadeia de Marselha. Foi a última vez que a guilhotina funcionou em França.

O Advogado do réu ainda tentou pedir um indulto ao Presidente da República, mas este recusou concedê-lo. O problema era o Pai da pobre menina. Pierre Rambla não suportava a ideia de o assassino da sua filha morrer de velhice, a viver à conta do erário público. O lugar dele era no cemitério, já.

E assim sucedeu. Aos 22 anos, Christian foi decapitado, na presença do defensor.

O causídico ficou tão impressionado que não mais descansou até conseguir a abolição da pena de morte. Quando o seu colega de profissão, Robert Badinter, ascendeu ao cargo de Ministro da Justiça, insistiu com ele para que apresentasse uma proposta na Assembleia Nacional. A lei foi aprovada em 1981.




O PEQUENO TORNA-SE ADULTO

Entretanto, ia crescendo o filho mais novo de Pierre Rambla, inconsolável pai da menina cruelmente morta.

Em 2004, três décadas volvidas sobre o crime, Jean-Baptiste, já com 37 anos, trabalhava numa empresa que servia refeições na rodagem de filmes. A firma pertencia a Corinne Beidl, a quem Jean-Baptiste pedira para passar a empregado efetivo, deixando de trabalhar com contrato a prazo. A empresária recusou e ele matou-a.

Jean-Baptiste acabou em Baumettes, a mesma prisão onde o assassino da sua irmã fora executado.

Como a pena de morte fora abolida, ele saiu da cadeia ao fim de 11 anos. Tinha à sua espera o Pai, que agora agradecia a quem lutara pelo fim da pena capital.

Os familiares de Corinne, que tratavam o homicida por crápula, consideravam ter havido excessiva benevolência. Diziam que a libertação representava um perigo.

Tinham razão.

Dois anos depois de ser libertado, sempre em Marselha, Jean-Baptiste desentendeu-se com Cíntia, angolana de 21 anos, uma lindíssima mestiça que fazia grande sucesso no Instagram. Decidiu acabar com a vida dela, dando-lhe uma facada na garganta.