sábado

MOCASSINS



Quem exerce uma profissão jurídica, frequentemente pondera se causa mais indignação o desrespeito pelo código civil ou a inobservância de um outro código, a que geralmente se alude recorrendo à língua inglesa: o inviolável dress code.
Há quem tolere o incumprimento da lei codificada. Por vezes, alguns mais ousados assumem a desfaçatez de considerar que as normas legais são simplesmente programáticas, tratando-se de meras orientações ou diretrizes, ao mesmo nível das regras constitucionalmente estabelecidas como metas a atingir num futuro ideal. O código da estrada nada mais faria do que estipular recomendações, que seriam acatadas caso o destinatário entendesse que o conselho era adequado.
Agora infringir o código da roupa é algo que gera a maior repulsa, justificando apropriado escândalo. O que nos convites formais surge como indumentária ou traje, em correto uso da língua portuguesa, é popularmente referido como o inexorável dress code, algo que impõe o maior respeito.


O FATO

Explica-se, assim, o profundo agastamento com o uso de calças de ganga, ou jeans para quem prefira a linguagem mais corrente, sobre passadeira vermelha estendida no aeroporto de Luanda.
Em 28 anos de carreira, nunca assisti a alvoroço tão intenso quando acontece a violação de lei obrigatória por aprovada democraticamente pelo competente órgão legislativo.
Até parece que é mais grave a violação do código da vestimenta do que o desrespeito pelo código penal.
A única norma legalmente válida sobre a matéria diz respeito à sala de audiências no tribunal: ali ninguém pode ter a cabeça coberta. Como já alertei aqui, não tardará a surgir quem invoque a respetiva inconstitucionalidade porque se impossibilita o uso de xador ou véu islâmico.


ENTRE CHEFES DE ESTADO

Um caso menos conhecido, mas de consequências bem mais significativas para a vida política do planeta, envolveu duas potências, a China comunista e a Rússia soviética.
Mao Tse Tung, fundador da república popular sínica, queria definitivamente afastar-se da pátria do socialismo marxista, apesar de as duas nações partilharem uma extensa fronteira com milhares de quilómetros. Tinha um encontro marcado com Nikita Khrushchev, que viajara em direção a Pequim.
O líder chinês estava bem ciente de que o russo não sabia nadar. Tendo crescido numa povoação rural do interior, o barrigudo Nikita nunca praticara desporto. Nem sequer aprendera a flutuar sobre a água.
Ao invés, Mao era um grande entusiasta da natação e adorava envergar os seus calções com que se banhava na luxuosa piscina de Zonghanhai, o condomínio destinado aos dirigentes partidários.
Pois foi esse o local escolhido pelo chefe de estado chinês para receber o seu homólogo, vindo de Moscovo, devidamente engravatado, com calças de fazenda e sapatos de atacadores.
O anfitrião encontrava-se em traje de banho.
Mao Tse Tung propôs imediatamente que os dois entrassem dentro de água, onde efetivamente se veio a desenrolar o encontro.
O vexame aumentou quando um assessor disponibilizou um par de braçadeiras destinadas a garantir que o visitante se mantinha à tona da água.
Assim se deu a grande cisão entre os dois maiores partidos comunistas do mundo. Khrushchev abandonou a China, ciente de que a União Soviética deixara de exercer qualquer influência sobre o império do meio.